quarta-feira, novembro 29, 2006

Para Matilde Mastrange


Matilde, querida, sinto sua falta. Ainda ontem pensei você poderia estar aqui. Procurei uma foto nossa, dos tempos passados, naqueles em que a Maria Clara era só um nome de revista, não tinha corpo ainda, nem quase seios, mas achei talvez você não gostasse, talvez achasse que não estivesse bem, boba que é. Talvez eu a edite e, assim, possamos nos esconder um pouco mais de nós mesmas, bobas que somos. Também sinto como você sentia.

Li suas letras. Sempre leio suas letras. E, pelo menos aqui, no mundo atrás do espelho, conseguimos ser vizinhas geográficas com sua casa bem ao lado da minha.

Minha mãe comprou-me uns cigarros fracos. Quase não sinto a fumaça passando pela garganta nova. Gosto, às vezes, de senti-la arder. Por causa do fumo do medo. Por causa do fumo do amor.

Ah, Matilde!, lembra da nossa sacada?, dos nossos escritos?, pretensos poemas; dos cigarros na nossa sacada, da Maria do Socorro, que era Maria, mas não como eu, que sou Clara, assim: Clara!

Tinha o brigadeiro bem molinho, o inesquecível brigadeiro bem molinho, o Vinícius, que para mim ainda era o de Moraes. Tinha o Radiohead e eu querendo cantar Karma Police como que com um banquinho e um violão. Tinha até aquela menina que teimava em mudar de nome e simplesmente só nos avisar: é por causa da numerologia. Tá bem, tá bem... E tinha o chato, claro!, que conseguiu se sentar na cadeira quebrada, ainda com pernas cruzadas e não cair. Proezas de chatos, que só eles mesmos conseguem fazer.

Mas minhas saudades, querida, são atemporais. E permeiam tudo. Todos os nossos anos de sertão. Porque também tinha a cerveja barata, por causa da grana escassa, o Bloco do eu sozinho, as aulas de inglês, os intervalos das aulas de inglês, aquele povo estranho que sumia e aparecia de repente. Ai que medo! Tinha acabado de falar dele e ele surgiu, apenas surgiu, depois de um ano!, um ano inteirinho!

Teve também Belle e Sebastian e você dizendo: não parece a música daquele desenho animado? Parecia, Matilde, parecia...

E as fossas, as dores de cotovelo, ai!, como doía o cotovelo. Aqueles caras com nomes bíblicos nunca nos fizeram bem mesmo...

E em tempos mais amenos, já de paz para você, teve a Terça Insana, o cigarro preguiçoso naquela sua casa quente, onde eu me sentia tão bem... Teve até o Cemil na tela do computador!, plano de fundo...

Mas tinha pra mim o bar da esquina, onde eu sempre tinha receio de passar. Por medo e por desejo. Talvez, medo do desejo.

Sei, Matilde querida, temos lembranças. E são muitas. E são boas. Porque bons ou não os tempos, com cerveja barata ou não, homens bíblicos pretensamente santos ou não, você sempre esteve lá. Longe ou perto. Presente ou não, você sempre esteve lá.

E o mais importante disso tudo foi você mesma, Matilde, que me mostrou tantas coisas boas e me ensinou a gostar mais de mim. E dessas minhas letras tortas.

bisou, querida
.

Um comentário:

Dani disse...

Querida Maria,
eu estava bem irritada há pouco, mas li sua carta e agora sou tranqüila! Muito obrigada por isso! Quantas lembranças, quanta vida lá pra trás e quanta vida ainda pela frente!
Quando eu penso que Assis foi um erro é porque sou uma má agradecida: tem você, maria, tem você!
Eu te amo de um tanto, ói... num vô nem dizê... (bem terça insana).
Vô dizê sim. Amo.

 
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